Na hora de escolher um novo emprego, é claro que o
salário importa. Mas, no planejamento da carreira dos sonhos, profissionais
olham além dos números. Ao lado da remuneração, na lista de desejos aparecem
benefícios como trabalho flexível e possibilidade de home office, ambiente
saudável, propósito da empresa, compromisso socioambiental e com a diversidade,
além de valorização da equipe e possibilidade clara de desenvolvimento.
Uma pesquisa feita pela Revelo, startup de
recrutamento, a pedido do Estadão, perguntou a 378 profissionais o que faz uma
empresa ser considerada dos sonhos. Entre as respostas – cada um podia escolher
até duas opções -, 69% apontaram o horário flexível e o home office; 36%
disseram olhar para salário acima da média do mercado; 36%, o compromisso com
diversidade, sustentabilidade e outros propósitos; 18%, a participação nos
lucros; e 15%, os bônus por performance.
Apesar da crise na economia e no mercado de
trabalho, as empresas buscam oferecer benefícios extras para os funcionários
porque se deram conta que aumentou a disputa por talentos que possam fazer a
diferença em um mercado cada vez mais competitivo. Além disso, os profissionais
mais jovens – e os de maior potencial – têm um comportamento diferente das
gerações anteriores.
Estão mais preocupados com a qualidade de vida e em
encontrar um propósito para seu trabalho. Eles não vestem a camisa da empresa
apenas pelo salário, mas por se identificar com os valores da companhia. Na
pandemia, essa mudança de comportamento ficou mais evidente, como mostra a
pesquisa da Revelo.
No levantamento, o home office e o trabalho
flexível aparecem como prioridade para todos os grupos de idade, com maiores
índices entre quem tem de 18 a 23 anos (41%) e de 35 a 40 anos (37%). Já o
salário foi citado como item importante principalmente nas faixas de 24 a 29
anos e de 35 a 40 anos, mas com índice de 20%, em ambos os casos.
O compromisso com diversidade, sustentabilidade e
outros propósitos da marca são mais importantes para os mais jovens, entre 18 e
29 anos.
“Com um novo sistema híbrido, com a junção do
modelo de trabalho online e do offline, é muito importante entender quais são
os benefícios almejados pelos profissionais que vão operar neste novo modelo
nas empresas”, destaca Patrícia Carvalho, diretora de marketing da Revelo.
“Assim, líderes e departamentos de Recursos Humanos
podem adaptar os benefícios e aumentar a atratividade para os candidatos, pois
o mercado está disputando profissionais.”
Empresas se empenham para oferecer benefícios
competitivos (que incluem até auxílio para fertilização ou adoção de criança),
para apontar tendências e reter os melhores talentos, além de construir uma boa
imagem de empregadora.
Para Amanda Aragão, líder da área de recrutamento e
seleção da consultoria Mais Diversidade, três pontos têm aparecido entre as
preferências dos candidatos na hora de escolher um novo emprego, principalmente
para os mais jovens: a possibilidade de desenvolver múltiplas carreiras, o
senso de pertencimento e o propósito.
Ainda é um peso muito grande escolher uma carreira
na adolescência e fazer aquela mesma coisa para o resto da vida. Por isso, diz
a especialista, muitos jovens têm optado por empresas que incentivam a
mobilidade entre áreas.
Já o senso de pertencimento vem alinhado a um
ambiente que proporciona segurança psicológica. Isso ocorre quando o
funcionário entende que ele é bem-vindo na empresa.
“A pessoa poder assumir riscos, não se sentir
desamparada nem exposta e poder ser ela mesma. O profissional se sente seguro
ao falar sua visão em uma reunião mesmo que ela seja oposta à da maioria.”
De acordo com Amanda, a preocupação com o propósito
significa entender como o profissional irá investir o tempo dele e como isso
contribuirá para a sociedade. As empresas de vanguarda têm dado exemplos de que
salário e propósito não andam em direções opostas. “As pessoas estão menos
dispostas a investir o tempo delas somente para o resultado financeiro.”
Para construir a sua carreira, Samantha Almeida, de
39 anos, conta que aprendeu muito cedo a definir prioridades. “Eu entendi os
meus inegociáveis, o que eu faço e o que eu não faço. Seja o que for, eu vou
empregar as minhas habilidades e preciso garantir os meus inegociáveis. A
partir dessa definição vem a adaptação. Eu sempre faço essa conta: prefiro
lugares onde eu possa usar a minha perspectiva de mundo, de vida, e as minhas
experiências para construir uma terceira coisa.”
Há dois meses, ela ocupa o cargo de diretora do
Twitter Next Brasil, área estratégica da marca dedicada ao desenvolvimento de
campanhas e formatos publicitários para anunciantes. O que pode ser curioso
considerando que ela começou a carreira – ou as várias carreiras, com ela mesma
diz – com uma graduação em Design de Moda. “Eu já fiz tanta coisa nessa vida.
Às vezes, as pessoas me perguntam mas como você foi parar no Twitter?Eu falo
não sei, é uma boa pergunta.”
Samantha foi se guiando pelos pontos dos quais não
abria mão e entendendo onde poderia ser útil. “Nunca me prendi a cadeiras. Eu
fiz movimentos horizontais, até retrocessos. Mas eu não teria a bagagem que
tenho. Eu me preparo para o mundo: o que o mundo vai precisar versus quais as
minhas habilidades e como posso disponibilizá-las profissionalmente.”
Ao longo dos anos, ela foi da moda para a
publicidade, das marcas de moda para as marcas de beleza, delas para agência de
comunicação, focou no digital e chegou ao Twitter. Hoje, inegociável para ela é
o que chama de “trabalhar em empresas que trabalham para pessoas”.
“Eu não vou para um lugar para onde eu não possa
trazer a perspectiva da base, da comunidade, onde eu não possa levantar a mão
na sala e falar galera, a maioria da população não é assim, será que isso
faz sentido para as mulheres?”, conta.
Prioridades. O ambiente da empresa e o volume de
trabalho também são inegociáveis mesmo para quem está começando a carreira,
como a advogada Marina Onetto, de 23 anos. Recém-formada, ela trocou um
escritório de porte médio por um menor e que foi criado há poucos meses.
“É uma gestão jovem, o que ajuda a fazer com que o
ambiente de trabalho seja bom e o respeito pelo colaborador seja grande. Isso
me motivou, além do escritório ser muito perto de casa”, conta. Mas o principal
incentivo ao emprego, conta ela, é a possibilidade de ajudar a construir uma
nova empresa.
“É muito positivo você poder fazer parte de um
negócio desde o começo, ajudar a fazer acontecer. Se tudo der certo, eu estou
lá desde o começo, participei disso. Fazer parte da construção do negócio
valoriza um profissional”, explica. “A questão salarial é muito importante. São
Paulo é uma cidade cara, mas eu percebi que um ambiente de trabalho agradável
pesa mais. Gosto de pensar que vale a pena procurar um ambiente em que eu tenha
um equilíbrio legal entre vida pessoal e profissional, principalmente no home
office. Eu não funciono se eu tiver que ficar 24 horas por dia dedicada ao
trabalho.”
Entender a cultura da empresa e ter o chamado
“match” ou “fit” cultural pesou para a publicitária Isabela Guimarães, de 28
anos, que trabalha há dois anos e meio na Electrolux na Suécia. “Eu acredito
muito na cultura da empresa, eu considero muito o ambiente, se é workaholic ou
não – se for, não é para mim. A minha carreira não é uma trajetória muito
linear.”
Match. A estudante de Ciências da Computação
Manuela Bernardino, de 20 anos, conheceu a empresa dos sonhos há mais de dois
anos, num evento para profissionais negros na IBM. “Fiquei chocada com o
tamanho da empresa e muito feliz quando vi mulheres negras falando no evento.
Naquele momento, eu decidi que era ali que eu queria ficar. Saí de lá e
pesquisei mais sobre a empresa.”
Ela se candidatou para uma vaga de jovem aprendiz e
não foi selecionada. Quis desistir, mas uma mentora a encorajou a estudar mais
e tentar de novo. “A entrevista em si não foi difícil, acho que foi mais o meu
brilho no olho de querer entrar para a empresa. Mas a preparação me ajudou
muito.”
Há dois anos na corporação, Manuela já realizou
vários sonhos: foi para os Estados Unidos a trabalho, com tudo pago pela IBM, e
há um mês se tornou estagiária de desenvolvimento. A próxima meta é se tornar
gerente até os 26 anos, trabalhando com tecnologia focada em diversidade e
inclusão.
Manuela diz que a valorização profissional é um dos
itens que a fizeram seguir escolhendo a IBM como a empresa dos sonhos. “Você
tem um valor para a empresa independentemente do seu cargo. A gente tem de ter
apoio, ainda mais quando somos jovens, porque muitas vezes estamos perdidos,
sem saber o que e como fazer. O respeito também é fundamental. No home office,
quase todo dia recebo mensagem perguntando se preciso de algo, se minha família
está bem.”
O que as empresas buscam no mercado
“As empresas estão saindo do lugar do eu estou aqui
parado esperando os candidatos virem até mim”, afirma Amanda Aragão, líder da
área de recrutamento da consultoria Mais Diversidade. Ela explica que as
empresas têm priorizado, principalmente no público jovem, as soft skills, ou
competências comportamentais, em detrimento da experiência. “Não buscam mais o
super homem ou mulher maravilha, mas querem entender a maneira como você se
coloca: se não sabe responder a uma pergunta, como você vai atrás da resposta.”
Para ela, há uma tendência de as empresas
substituírem os testes técnicos por testes situacionais para entender se o
candidato se encaixa na cultura da empresa. “Estamos chegando à conclusão óbvia
de que o técnico eu ensino, mas eu não mudo os valores das pessoas de uma hora
para outra”, diz Amanda.
Com mais de 5 mil colaboradores, a fintech Stone
privilegia o match cultural em suas contratações, principalmente no programa
Recruta Stone. “Focamos no fit porque a nossa premissa é: se uma pessoa com
inteligência é motivada e íntegra, ela aprende o que for necessário”, explica
Livia Kuga, responsável pela área de talentos.
Em fevereiro deste ano, a Stone contratou o
estudante de Engenharia de Produção Victor Souza, de 22 anos, para uma vaga de backoffice.
No primeiro emprego, ele conta que durante o processo seletivo foi possível
perceber que os testes giravam em torno do fit cultural.
“Cada etapa é uma versão reduzida de situações que
você pode vir a enfrentar na empresa. É, de fato, um processo que vai te
preparando para situações reais do dia a dia. O fit cultural nada mais é do que
ver se o seu jeito combina com o jeito da empresa de fazer as coisas.”
Mas como as empresas conseguem entender isso? No
caso da Stone, o processo começa com um teste que mede preferências, criado
pela startup Mindsight. “No teste, a pessoa é obrigada a priorizar, escolher e
ranquear. Com isso, mapeamos a pessoa para entender o que ela valoriza no
trabalho. São 33 atributos, como foco em metas, estabilidade, ser socialmente
responsável, remuneração variável e ser recompensado pela entrega”, destaca o
CEO da Mindsight, Thaylan Toth.
“Quando as empresas nos procuram geralmente é
porque as pessoas que elas estão contratando não estão performando como elas queriam
ou estão pedindo demissão muito rápido.”
Fonte: InfoMoney
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